Quantos anos queres viver?
Para sempre.
INSENSATO – a terra reclama o que lhe pertence. Não queiras quebrar o ciclo. Consumiste o que ela te deu ao longo de tanto tempo, banqueteaste-te até fartares, deixa que no fim te consumam. Egoísta capitalista mergulha nas profundezas da cova, rasteja para o umbigo da terra (o ninho das origens) e deixa-te ficar quietinho, a hora da mudança há-de chegar. Deixa que as raízes esfomeadas te devorem e recicla-te num fungo ou numa erva tenrinha. Fica satisfeito por saciares a fome a tantas vidas.
Não, deixa-me escolher. Podemos negociar. O que queres? Aprende a perder. Aceita o que vier. Baixa a crista, baixa a proa. O fim é humilde. Como o princípio. Simples. Equilíbrio. Mas se queres escolher, escolhe – Vida acelerada e intensa ou Vida longa e lenta. As duas são paralelas, como tudo no mundo, consequências. Escolhe uma de duas, sem hesitações, devoluções. Sabes que no fim todos somos substituídos. É a ordem. Quero durar, muito. Como queiras. Vais viver duas vidas numa só – a juventude atravessada por duas gerações. Alcançares este desafio é simples, basta que te feches num frasco de conserva e não respires o ar da rua. Seja lá o que isso for, aceito. Fora de brincadeiras, acho que a vida que tenho me foi encomendada. Há muita coincidência. Tudo se encaixa, por fim. Apaguei da memória a minha primeira juventude. E agora tento viver a segunda, retardada.
Nunca me revi na geração de 80, mas o pior é que na de 90 muito menos. Afinal a que geração pertenço? Os tempos de escola calejaram-me a vida. Fui forçado a conviver com quem não queria (professores e otários). Tentei esquivar-me da adolescência, mas a puta dessa carraça andava sempre a zombar-me ao ouvido «caroxo, paneleiro, monte de merda». Quis passar despercebido, mas era em mim que ela gostava de carregar. Aos 15 já queria ter 30. Achava que por essa altura iria viver bem. Foi um mau palpite. Hoje tenho 30, mas é como se tivesse 15. Continuo a fazer as mesmas coisas que sempre fiz. Estudo, recebo mesada, continuo solteiro, com as mesmas dúvidas, sem saber o que fazer ou para onde ir. Continuo a preferir a minha própria companhia à dos outros.
E adoro enfiar-me na cama, remoer-me
em ideias, fazer de maluco, falar e barafustar contra isto e aquilo (porque
aqui ninguém me ouve). Masturbar-me, para aliviar-me da revolta recalcada, e
morrer de espasmos. Se pudesse, hibernava como um urso. E acordaria quando
chegasse a primavera, o salmão e o cio. Tempos que valessem mesmo a pena serem
vividos. Passei toda a minha vida a estudar, a preparar o futuro (que
aparentemente chegaria aos 30) e, afinal, terei de esperar mais tempo,
letárgico, congelar a juventude para vivê-la na próxima geração. Parece que o
Inverno vai durar e as noites longas também. Para todos os que
andam em linha recta a primavera chegou mais cedo. Cumpriram rápido o seu
desígnio, cruzando genes, vírus e por vezes chatos. Cumpriram o propósito
da natureza: deram origem à próxima geração. Resta-lhes envelhecer e recordar.
Por fim, são arrumados em
caixas. E eu, o que vou recordar?
Faz
como Pandora – abre o frasco e evapora.
ACASALADOS
(Pancadinhas
d’Amor)
Vem
girar à minha volta como o Sol em volta da Terra.
Despe
o avental enquanto lavas a louça.
Desliza
a alça do vestido enquanto o passas a ferro.
Vem
dar-me o teu leite à cama.
Relaxa,
eu engulo sem mastigar.
Põe-te
de cocras e limpa os salpicos
junto
à sanita.
Deixa-te
ficar nessa posição enquanto me barbeio.
Vês
o mal que me fazes? Distrais-me e sulco a cara
em sangue. Diz que gostas
dos meus cortes,
serrotes,
murros e pontapés.
Que
estas cicatrizes
te
fazem estremecer
a
peida e deslocar
o
útero. És virgem e pares
sapos
pretos
NARCISO
MURXO
Cala-te
por um minuto que seja.
Farto
de te ouvir. As tuas palavras metem-me nojo, sempre a zunir à minha beira… Não
vês que me estou a marimbar para as tuas tretas e façanhas medievais?
Foste
perfeito na devida altura, agora és prefeito pretérito.
Não
insistas em aparecer.
Secas-me
as veias do cérebro praguejando gafanhotos e gazes podres. Monopolizas as
conversas em teu redor.
És
um frete que tenho de gramar.
O
desespero é meu conselheiro, foi ele que me levou para junto de ti.
Tenho
uma dívida a cumprir. Mas creio que falta pouco.
Não
confundas gestos sem intenções. Se te trato bem não é porque te estime, mas
porque preciso de sustento. Entendes tudo mal. Achas que te admiro?
Narciso,
meu velho, só terás lucidez quando te reflectires nas águas do rio (e vires a
tua imagem). Se isso não bastar, atira-te na corrente e rebobina-te (de jusante
até montante).
É
uma viagem lixada, que te vai erodir e encolher (o Ego).
Quando
chegares ao início da linha (de água), no cimo da montanha, avisa-me. Acende
uma fogueira, faz sinais de fumo ou acena com os braços.
Se não te for buscar, entretém-te a gritar. E escuta o eco repetir sem
exaustão as tuas palavras. Como tanto gostas…(Não aprendeste nada, continuas o
mesmo burro de sempre)
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