I
- PARAGRANO
Ruminação e loucura: quero ser ouvido, dizer, a todos & cada
um, dos mundos possíveis ou até impossíveis, do bizarro & anacrónico, do
intricado ou lhano, arte d'inventar chegando ao irrisório de ínfimo mas de onde
ressuma um ridículo universal, ínsito a qualquer singelo acto de ser.
II - ADENDA
#1
Ora, e se falasse do consabido?
#2
Dai pão a quem tem fome e somos todos. E, havendo disso, que o
homem é, como se sabe, bichinho industrioso, se ofertam a alguns, tão doces
bolinhos e a outros ázimos e duros e secos nacos, que o homem, corre fama, é de
sua natural natureza, ferino e cruel. Ademais, nem espanta, se qualquer
creatura da Creação abocanha seu bocado, se pode, e, se forte, esse pedaço é
maior e, se fraco, menor, até à míngua & decesso. Objectais com a
preeminência de recta-razão mas, meus amigos, essa é fluida e
sempre se vendeu por justo & bom que entre ouros e ouropéis & esquálida
enxerga os mais nobres rebolassem nos primeiros e os vis vegetassem na segunda.
E, adivinhem, caríssimos, quem entre uns e outros, decide o que é de boa
virtude que assim seja e até como Deus quer?
#3
Trincai, trincai, abocanhai que a fome é escura e o Sol em ardor
de labuta arde e cresta. Matai, matai em júbilo que antes teu vizinho pereça
que te ponha fim aos dias. E, do mesmo modo, aceita a ruína & seu
esplendor, a dor, a farpa, a loucura e o olor frorido primeira manhã do mundo.
#4
Do muito tirai um pouco. Que digo? Do muito tirai o tanto que
por aço e manha vos for permitido.
III - VEXATA QUAESTIO
O volume ominoso do ser e viver e estar e de sobremaneira
querer. Em primeiro lugar, querer porque se é, vive e está mas também porque,
enamorados de nós, se olha um infinito de maximização do que se é, do que há
para viver, gozando da ventura do mais aprazível local, condizente, aliás, com
a infinda dignidade desta nossa consciência que olha o universo com desdém,
dizendo "somos o alto produto de quanta evolução natural e de todo o refinamento
de tanta História. Somos, entre eleitos, os escolhidos. Quem nosso primeiro
antepassado sonhou se acaso imaginou a glória de sua
estirpe." Afinal, quem garante que o mundo não terminará em luto por vosso
decesso?
IV- DELÍRIO PSICOPOMPICO
Internalizada
a miséria (interiorizada a loucura) mil vezes não ao dia e à noite, à fecunda
maréde luz, rebrilhante esplendor e com espada, acerada-mortal, fio &
sangue, m'eviscero. E daí não brote ventura, nem sonho e alor mas espéculo de
tudo o que é vil e fel e orto de negrume e hecatombe e sinal de fim: hoje furor
e vida, amanhã decesso, e eu d'insana candura, por vós espoliado e morto e
mofinante com o ricto de descarnada caveira aqui estarei para vos ver
tombar,
jubilantes e com a devida pompa finados para logo ser esquecidos.
Então, sereis irmãos e poder-vos-ei conduzir.
V - ELE É CEGO
D'imersão divinatória é quem de tud'esbulhado tanto já viu.
Derradeiro óbolo de cegas tecedeiras que partilham o desenho da urdidura. Feroz
contentamento. Sei, a partir de meu catre, quem sobe e quem desce, quem está,
quem vai e quem fica.
NÃO
Dai
morte, em vida, à vida. Recusa & resiste. Diz, depois, não ao próprio não.
E assim com todas as cousas: não ao dia e não à noite, não à ciência de te
saberes são, não ao afã e labuta, não à causa sã d'enferm'humanidade, não ao
futuro &sp'rança (que isso não é nosso, não pode ser nosso, assim o quer a
Sacra-Estultícia). Não à noite, não ao dia e, por isso à luz, inebriante e
plena
que
teus olhos adentre: faz por não ver. E, sobretudo, não ao tempo. Que são
passado e futuro? Oníricas sombras em tua memória e aprazado olvido. Não haja
maré nem haja vitória (afogai-vos no Rubicão). Recusa, mesmo, a quietude e
abate a coluna onde repousa o sábio. Mesmo que sejam sete luas de fogo &
furor e do vulcão saia escória nega a ruína com a feroz resolução com que se
rejeita o esplendor. Ouve: apodreces debaixo da pele e já teus membros s'eximem
de teu comando. Nem teu valor, esbulhado que foste de tua fazenda.
Mas, já vos interrogastes o que é veramente o não? Pura força
negativa, quiçá o último poder inalienável da vária natural natureza do que
somos. Seja a vida renúncia, até, a tempo, ao sopro que t'anima e, dizendo
adeus à carne também a todo o venal fenómeno. E, assim, quando a fúria dos
néscios tanto oprime operando-se a alquimia de negação exaure-se o que furtar:
estando mortos-em-vida seremos livres para apreciar a manhã. Absolutos &
irrepresos, não ao pão e não à fome, transcendei o humano e, do mesmo passo dai
fim, fim ao sobrehumano e ao deus e seus mensageiros. Superando por antítese
toda a natural afirmação haverá por único sustento a maquinal mania de
uma una Negação.
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